sexta-feira, janeiro 26

Direito Econômico e propriedade cultural

Cooter e Ulen no seu conhecido livro sobre Direito e Economia trataram do tema da propriedade cultural. Utilizando a mesma abordagem de Eric Posner no artigo de 2006 (ver post anterior), os autores já faziam, alguns anos antes, uma alusão à privatização dos bens culturais.

No final do texto intitulado Cultural Property: The Elgin Marbles, os autores deixaram algumas questões para a discussão e uma delas parece bem interessante: um governo deveria poder "tomar" um objeto de arte que é considerado como propriedade privada pagando apenas uma compensação? Nesse caso, em que circunstâncias o governo poderia obter a propriedade privada de artefatos culturais?  

A nosso ver, a questão envolve uma abordagem ampla. Aqui, além do direito importam as regras morais, políticas e de mercado. Ilustrando este fato, uma pesquisa realizada em 2002 e mencionada no site da BBC, demonstra que até mesmo os Britânicos reconhecem o direito de reivindicação da Grécia no caso dos tais Mármores.

Um bom exercício seria observar, não apenas a questão de compra e venda dos artefatos culturais, mas os motivos que levam a aquisição de bens culturamente importantes dos países subjugados pelos países dominantes.

Sobre a Propriedade Cultural

Dentre tantas opiniões sobre a proteção da propriedade dos bens culturais no foro do Direito Internacional, uma das que me pareceram mais provocantes foi a exposta por Eric Posner, um conhecido professor da Universidade de Chicago.

Enquanto as convenções internacionais defendem a proteção da propriedade cultural como a proteção de uma "propriedade diferenciada", Posner propõe considerá-la uma propriedade comum, que pode ou não ser valorizada e que deve ter um dono determinado.  Nesse sentido, depois de indicar as mazelas internacionais no que diz respeito ao (1) mercado negro de exportação nos países com lei interna restritiva e (2) bens culturais pilhados ou destruídos em tempos de guerra; o autor esboça sua tese:

"...nós deveríamos considerar a possibilidade que, hoje, as antiguidades são tratadas pobremente porque elas são intensamente reguladas. Saqueadores temem ser descobertos pela polícia e por isso eles removem antiguidades sem tomar cuidado. Se fosse legal remover propriedade cultural e vende-la os profissionais assumiriam e tomariam mais cuidado porque antiguidades valem mais quando a proveniência delas é conhecida e quando eles são não danificados.

Nós também deveríamos esperar que a propriedade cultural permanecesse disponível para o público e pesquisa acadêmica na mesma extensão que arte moderna é. Muitos produtos serão comprados por colecionadores privados, mas muitos também serão comprados através de museus e postos em exibição pública. Como no caso da arte moderna, compradores privados de propriedade cultural emprestarão suas coleções para museus e até mesmo as doarão para obter benefícios tributários ou por razões altruísticas. Se o mercado fosse legal, então formas claras de regulamentação - por exemplo, a exigência que de vendas de propriedade cultural sejam registradas - poderiam assegurar que antiguidades não sejam perdidas..."

Importante dizer que Posner não tratou das famosas controvérsias históricas, como a dos Mármores de Lord Elgin (retirados do Partenon de Atenas no século XIX e levados para a Inglaterra), pois ressalvou estas situações como "não legais". Destacou, porém, que se não houve propriamente um roubo, o valor cultural dos bens para o país de origem é de tal magnitude que fundamenta uma reivindicação, ainda que baseada no vínculo "moral e político".

Voltando ao tema central, apesar de não conseguir digerir a idéia de privatização, reconheço que os argumentos no artigo são persuasivos e que as convenções para defesa dos bens culturais tiveram resultados pouco expressivos.

Realmente a privatização dos bens culturais poderia até ser discutida, desde que houvesse ÊNFASE:  na garantia do Direito de Acesso; no tratamento diferenciado para bens de valor social e geograficamente contextualizado (bens que não podem ser retirados do local de origem); e no respeito a todos os valores sociais que envolvem o bem cultural... Em outras palavras, talvez o que importe mesmo seja o respeito à  função social da propriedade!

sábado, janeiro 13

Cicarelli e a Nova Escola de Chicago!?!?

Um dos temas mais interessantes do Direito, nesse início do Século XXI, provavelmente será a questão da internet. Recentemente, o caso da modelo e apresentadora Daniela Cicarelli esquentou a discussão sobre a aplicação do direito neste novo espaço. Teve muita discussão sem fundamento, mas vi um artigo que vale a pena. Ele é baseado na teoria das modalidades de regulação, da Nova Escola de Chicago. Confira.

"Quem manda na internet são os softwares, não as leis"

Faltou apenas dizer que o autor mencionado, Lawrence Lessig, defende, noutras publicações, a aplicação indireta da lei sobre o "Codigo" (programas de computador). Ou seja, o filtro que o Desembargador Paulista está exigindo, através do direito, é um meio legítimo para controlar a internet. O que está errado é que a decisão resultou no bloqueio de todo YouTube. Isto, na verdade, é o levou o magistrado a modificar sua decisão do último dia 9 , afirmando:

"...

5. O relator agradece o empenho com que as operadoras agiram quando receberam os ofícios do Juízo de Primeiro Grau, para que fosse cumprida a decisão. Acredita-se que o fechamento completo do sinal de acesso ocorreu por dificuldades técnicas de ser criado o filtro que impeça o acesso ao vídeo do casal. Mas, não foi essa a determinação, pois o que se ordenou foi o emprego de mecanismo que bloqueasse o acesso a endereços eletrônicos que divulgam o vídeo, cuja proibição foi determinada por decisão judicial. Não há, inclusive, referência para corte do sinal na hipótese de ser inviável a providência determinada.

6. Para que ocorra execução sem equívocos, determina o relator que se expeça ofício ao digno Juízo para que mande restabelecer o sinal do site Yotube, solicitando que as operadoras restabeleçam o acesso e informem ao Tribunal as razões técnicas da suposta impossibilidade de serem bloqueados os endereços eletrônicos.

7. Fica registrado não estar excluída a imposição, pela Turma Julgadora, de medidas drásticas, como o bloqueio preventivo, por trinta dias ou mais, até que o Yotube providêncie a instalação de software, com poder moderador das imagens cuja divulgação foi proibida. Porém, essa é uma decisão de competência da Turma Julgadora e que poderá ser tomada na próxima sessão de conferência de votos dos Desembargadores. Ademais, a decisão definitiva dependerá das respostas técnicas das operadores que foram notificadas."

quarta-feira, janeiro 10

Privatização das estradas

Cresce em todos os estados brasileiros a busca por investimentos em infraestrutura. Na falta da devida aplicação de tributos, como a CIDE, o governo está apontando para os investimentos privados como solução para o problema específico das estradas.

Não parece má idéia, mas vamos aos números. Numa análise sem rigor cientifico, utilizando como exemplo uma concessionária da qual eu costumava ser cliente - a Via Lagos, no Rio de Janeiro - posso facilmente ver, no própria site da empresa, que passam pelo trecho uma média de 11 mil veículos por dia, com picos de até 55 mil no verão e feriados prolongados. Além disso, posso constatar que as tarifas de pedágio variam entre R$ 7,50 e R$ 45,00, para o trecho de 22 km. Numa conta simples, utilizando os valores mais baixos, suponho que a empresa arrecada, por dia, algo em torno de R$ 82.500,00 (= 7,50 X 11.000), ou R$ 30.112.500,00, por ano.

Considerando, hipoteticamente, que a empresa tenha custo operacional de R$ 12.000.000,00, por ano e, de acordo com o site estradas.com.br, que o tempo de concessão é de 25 anos e que o total investido foi R$ 150.000.000,00. Posso calcular que os gastos em 25 anos serão de R$ 450.000.000,00 (= (25 X 12.000.000,00) + 150.000.000).

Os ganhos, por outro lado, serão de R$ 722.700.000,00 (= 25 X 30.112.500), o que garante um lucro de R$ 272.700.000,00, para os 25 anos de concessão, ou cerca de R$ 11.000.000,00, por ano. Na linguagem do mercado financeiro, para um investimento de R$ 150 milhões, o "negócio" garante um retorno de mais de 180%, em 25 anos. E tudo isso, partindo de uma estrada que já estava pronta, já tinham público cativo e como exposto no início, costuma receber cinco vezes mais carros no verão e nos feriados. E mais, caminhões podem pagar até R$ 45, para trafegar nesta mesma rota, o que garante também uma receita maior do que o mínimo previsto em meus cálculos.

Vale reforçar que as estradas privatizadas mornalmente são aquelas que dão maior lucro, ficando para o governo o problema das demais rotas. E esta situação retira qualquer argumento de que os impostos pagos pelas concessionárias geram uma grande vantagem para a Administração Pública.

É claro que as empresas concessionárias, com as belas estradas que administram, vão dizer que seu lucro é menor. Por outro lado, os Administradores públicos vão insistir que não têm dinheiro. Mas o simples fato, de um simples cálculo, poder indicar um lucro de mais de 100%, para uma atividade que poderia ser prestada pelo serviço público, sem o objetivo de lucro, chama a atenção para a necessidade de discutir o assunto.

segunda-feira, janeiro 8

Justo Título sem documento...

A IV Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal reconheceu novos casos de justo título, inclusive quando não há documento. Confira:

Enunciado 302 – Art.1.200 e 1.214. Pode ser considerado justo título para a posse de boa-fé o ato jurídico capaz de transmitir a posse 'ad usucapionem', observado o disposto no art. 113 do Código Civil.
Enunciado 303 – Art.1.201. Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na perspectiva da função social da posse.

O Enunciado 302 é bem interessante, até porque valoriza os usos e costumes do lugar onde o negócio for celebrado (art. 113, do CCB), deixando clara a preocupação dos interpretes do Código Civil com as normas sociais. Com relação ao Enunciado 303, discordo da confusão entre justo motivo e justo título e questão da função social da posse...

Inversão do Título da Posse está no Código Civil

Na IV Jornada de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal foi reconhecida a possibilidade de inversão do título da posse, nos termos do novo Código Civil. Veja o enunciado:

Enunciado 301 – Art.1.198. c/c art.1.204. É possível a conversão da detenção em posse, desde que rompida a subordinação, na hipótese de exercício em nome próprio dos atos possessórios.

Mais sobre a regulação do saneamento básico...

A recém promulgada Lei de Diretrizes do Saneamento Básico no Brasil, mencionada no post anterior, nalguns pontos revela o interesse na conciliação das futuras privatizações (ou parcerias público-privadas) com os limites de contrapartida das classes mais baixas.

Na nova lei está bem claro que os subsídios (valores pagos como forma de compensação para o empreendedor)  necessários ao atendimento de usuários e localidades de baixa renda serão custeados por tarifas ou por recursos públicos diretos (art. 31). Por esse ângulo, os serviços de saneamento básico parecem um bom um empreendimento, no qual o lucro é garantido. O grande problema é que a prestação de serviços básicos não deveria depender de remuneração para o setor privado. Como uma empresa que analisa os custos da captação de recursos, o Governo deveria antever que os recursos privados, que podem trazer uma imediata melhoria no setor de saneamento, poderão, também, gerar graves problemas no futuro.

O pacote que a nova lei denomina "saneamento básico", inclui: o (a) abastecimento de água potável; o (b) esgotamento sanitário; a (c) limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; e a (d) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. No caso das águas, deve-se buscar o exemplo da revolta social pela privatização deste bem na Bolívia, nos anos 90. Naquele episódio ficou demonstrado que o fornecimento de água não pode ficar sujeito a uma contrapartida financeira. Os questionamentos feitos naquela época, valem para a atual situação brasileira... Como, por exemplo, serão tratados os sistemas privados de captação de água de chuva? Como a empresa contratada para o serviço de abastecimento reagirá se as pessoas passarem a captar e tratar águas de chuva? Nesse sentido, o artigo 1292, do Código Civil, permite o represamento de águas pelo proprietário do imóvel e o art. 1290, da mesma norma, permite seu consumo. Enquanto isso, o art. 10 da Lei de Saneamento, somente trata da possibilidade de serviços coletivos - prestados por cooperativas ou associações, em condomínios e localidades de pequeno porte, predominantemente ocupada por população de baixa renda (seja lá o que for isso!!!) - deixando de lado a possibilidade de sistemas individuais ou informais.

Por outro lado, o manejo de águas pluviais não pode ser privatizado sem mudanças no Código Civil, especialmente em relacão ao direito de aqueduto e de escoamento natural das águas. E, pior, o já criticado sistema de coleta de lixo, alvo de tantas denúncias de corrupção, agora é parte do pacote de saneamento e poderá ser delegado por períodos longuíssimos.

Na verdade, por estes e por outros motivos, a privatização de serviços sociais básicos (SSB's) tem sido objeto de críticas em diversos países, como a Bulgária, a Malásia e até mesmo a Espanha. E nesse contexto, cabe a sociedade brasileira estar atenta aos acontecimentos que se sucederão.

Em resumo, a idéia de captação de recursos financeiros da iniciativa privada para alavancar o serviço público de saneamento básico, pode ser boa, mas cabe perguntar: boa pra quem?

Qual a diferença entre regulação e fiscalização?

O Governo Federal tratou da diferença entre regulação e fiscalização quando analisou o Projeto que veio a se transformar na Lei n. 11.445/07, que estabelece o marco regulatório para o Saneamento Básico no Brasil. Nas razões de veto ao inciso V, do art. 3º, o Executivo expôs

“Art. 3o ...............................................

        V - regulação: definição das condições e fiscalização da prestação dos serviços públicos, em seus aspectos sociais, econômicos, técnicos e jurídicos;

............................................................ ”

Razões do veto

“A definição não está adequada, uma vez que confunde dois conceitos distintos, o de ‘regulação’ e o de ‘fiscalização’. O primeiro se refere à organização do serviço público, que compreende não apenas a definição das condições do serviço prestado nos aspectos sociais, econômicos, técnicos e jurídicos, mas também na sua estruturação quanto à qualidade, direitos e obrigações tanto de usuários quanto de prestadores do serviço, política pública e cobrança, além de inclusão da variável ambiental na regulação. Já as atividades de fiscalização se referem ao acompanhamento, monitoramento, controle e avaliação do serviço e aplicação de penalidades, no sentido de garantir a utilização, efetiva ou potencial, do serviço público.”  (grifo do blog)

O problema, porém, foi que, com o veto, puro e simples, a lei em tela deixou de apresentar o conceito de regulação, o que poderá gerar mais dúvidas no futuro.

domingo, janeiro 7

Quando a posse é social de verdade!

A posse, tanto quanto a propriedade, é um meio de permitir a uma pessoa, em detrimento de outras, obter o uso exclusivo de um bem. Não se trata, como muitos dizem, de uma função social da propriedade, mas da maior expressão econômica desta. Ou seja, só com a posse exclusiva uma pessoa pode tirar proveito econômico exclusivo de um bem. Por outro lado, quem tem a posse exclusiva mas não é proprietário, continua tendo o bem para si, não o socializa nem sequer melhora sua condição perante o dono do bem. Como primeira proposta deste blog podemos sugerir o estudo de formas de socialização efetiva da posse. As repúblicas estudantis de Ouro Preto são um bom exemplo de socialização da posse, mas existem outros casos interessantes. Eis ai alguns sites para começar a reflexão e enviar seus comentários...

Posse coletiva

Sociedades Rurais e a questão fundiária