Nos últimos anos observamos uma tendência cada vez maior de apropriação da privacidade pela esfera pública. Esta relação de "privatização" da esfera pública, destacada por sociólogos como Bauman, pode ser claramente observada em programas de TV que tornam públicas as intimidades de pessoas famosas, ou não. Entrevistas que tratam da vida pessoal de políticos, entretenimentos tipo Big Brother e outros programas criam uma sensação de que nada é tão privado que não possa ser tornado público.
O que me chamou a atenção, porém, foi a nova onda de identificação através de características individuais. Aqueles novos aparelhos, utilizados por Bancos e Planos de Saúde, onde "você é a sua senha" nos apresentam um novo produto tecnológico: a Biometria.
O problema é que, para que se torne possível a identificação pela digital, pelos olhos, pela palma da mão, face etc., dados pessoais, na verdade personalíssimos, têm de ser fornecidos para uma empresa ou órgão governamental, que os cadastra e mantém sob guarda.
Segundo Darcie Sherman, da Universidade de Londres, o aumento na utilização da Biometria resulta de alguns fatores datados neste início de século, como por exemplo: (1) a busca por segurança após o 11 de setembro; (2) a necessidade de evitar fraudes de identificação, inclusive no caso das políticas sociais implementadas pelo governo; (3) a dispensa o uso de documentos, para facilitar o trânsito das pessoas pelo mundo; (4) a "necessidade", em contraposição ao item anterior, de controle de imigração; e (5) as transações anônimas, principalmente através da internet.
De acordo com o mesmo artigo, os riscos à privacidade ficam configurados pela falta de responsabilidade e potencial abuso no uso da informação privada e por inexistir uma regulamentação adequada, que defina parâmetros para o uso desta nova tecnologia.
Os governos e as empresas privadas podem abusar da informação, interferindo na vida do cidadão através de uma tecnologia que ele não controla. Quem poderia dizer que os dados não serão manipulados e usados contra uma pessoa considerada "inimiga do Estado" ou "concorrente comercial"? Mais ainda: Quão perfeitos são este métodos de identificação?
Estas questões são relevantes neste momento e impõe uma regulamentação clara, que evite uma auto-regulamentação obscura do setor. No artigo em voga são mencionados alguns temas para regulação, dentre os quais: quem pode guardar as informações e sob que circunstâncias; a quem é permitido ter acesso às informação e debaixo de que condições; como os indivíduos poderão revisar suas informações e corrigir inexatidões ; qual o processo para desafiar os informações ou para confirm-las, quando negadas; como as organizações do setor privado que operam estes sistemas em nome de governos, serão controlados e forçadas ser responsáveis perante a população e respeitosas com as leis de privacidade nacionais.
Enfim, esta publicização da esfera privada deve ser objeto de leis claras, que imponham limites aos usos e costumes e aos interesses mercadológicos. Confesso que assisto com frequência o Big Brother da TV, mas a possibilidade de me tornar uma pessoa vigiada por câmeras ou de ser injustamente acusado de um crime por conta de uma falsa identificação da iris de meus olhos, não me agrada nem um pouco.